Seria fácil se um e-mail resolvesse tudo

Querido,

Hoje, inspirada num trecho do poema de Fábio de Melo, eu diria algo assim: 
"Hoje quero lhe confessar meu egoísmo, quem sabe assim eu possa, ainda que por um instante, amar você de verdade".

 Quando eu falo de egoísmo não é no sentido comum, caricaturado, de uma pessoa que nada dá ao outro, que só pensa em si mesmo, quase do mal. Mas, é no sentido até mais inconsciente, onde é possível "dar" à outra pessoa algo de modo que a "transforme" em alguém que queremos, do jeito que queremos, para que ela CAIBA EXATAMENTE EM NOSSOS SONHOS OU IDEALIZAÇÕES. Essa forma de egoísmo, talvez, seja mais perigosa por não ser explícita e, quase sempre, para as "pessoas do bem" (como eu acho que eu sou), fica misturada a sentimentos legítimos de preocupação e desejo de bem querer em relação à pessoa que dizemos "amar".
Aí está uma outra questão: AMAR. O que significa amar alguém? Quando amamos alguém desejamos que essa pessoa seja feliz, não é? E não é possível conceber essa felicidade, coexistindo com alguma prisão. Para existir o Amor, a liberdade deve ser um ingrediente imprescindível para compor a sua substância. Então, como podemos desejar ser felizes se prendemos alguém na gaiola de nossas fantasias e expectativas, impondo a ela a VESTIMENTA que PRECISAMOS, para compor um cenário o qual chamaremos de “felicidade”, apenas, porque julgamos que a “forma” nos trará a “essência”. 
Hoje, percebo o meu equívoco. Percebi que a VERDADEIRA FELICIDADE não pode ser produzida pelo meu ego, mas ela vem do encontro com a VERDADE. Por isso, falo do meu egoísmo. Porque, mesmo sem perceber, acabei fazendo isso com você. Assim, como o diretor de um filme, quis que o ator desse vida ao personagem do meu filme ou mais do que isso, quis que você fosse o próprio personagem. E, provavelmente, eu também fiz de mim mesma, um outro personagem dessa mesma história. Não, isso não teria como dar certo.
Caí em mim. Olhei o ator colocado nesta condição, sem sequer ter pedido e que, talvez, sem perceber, foi aceitando o papel, tentando se encaixar no roteiro. Talvez, você também quisesse realizar o seu filme, aproveitando o mesmo cenário, mas, para uma outra história, onde eu seria, por sua vez, personagem da sua fantasia. 
Pois é. Nenhum filme ficou pronto. Ele habita, apenas, o nosso imaginário, dentro de cada um de nós. Hoje, eu percebo que ninguém poderá fugir, em realidade, daquilo que é, para satisfazer desejos e modelos externos de perfeição. Tenho aprendido que a perfeição e a plenitude que buscamos pertence, na verdade, à nossa memória do Divino dentro de nós (nossa identidade mais profunda) e, portanto, não é possível buscá-la do lado de fora, mas sim, do lado de dentro, através de um profundo auto-conhecimento. Isso quer dizer que a Felicidade é uma experiência pessoal, ou seja, que não depende de outra pessoa que não seja nós mesmos. O outro pode refletir e ser um SUPLEMENTO dessa Felicidade, mas, NUNCA UM COMPLEMENTO dela.
 Então, querido, talvez, hoje eu esteja enxergando a mim e a você melhor. Talvez, eu esteja me permitindo a olhar com uma lente mais límpida. E se queremos que o amor seja uma vivência real em qualquer contexto, então, a verdade deve ser o melhor presente que podemos dar a quem quer que seja. Ela pode provocar frustrações, dores e desconforto em nosso ego que, sendo controlador e buscador do conforto e prazer, se debate quando suas vontades não são satisfeitas. Mas, quem disse que o ego(ísta) entende de amor, verdade ou felicidade? Lembra-me uma frase da obra “Não Pode Existir Amor Sem Verdadeira Troca” de Antoine de Saint-Exupéry: “Se o teu amor despreza os sinais do amor a pretexto de atingir a essência, o teu amor não passa de um palavreado.”. Em seu "sonho de amor", o ego(ísta) nem enxerga o outro em realidade. Se o verdadeiro amor nos faz crescer, amplia a consciência, nos diviniza, o amor egóico nos limita, nos transforma em seres instintuais, raivosos, inseguros e possessivos. 
Agradar ao ego é se afastar Daquele que é o próprio Amor, o Ser que está em nosso ser. Assim, ao ver o que ficou de nossa história, não posso dizer que só fizemos bem ao outro. Talvez, os nossos egos tenham se encontrado mais do que nossos verdadeiros seres. Por outro lado, através das frestas que os egos não conseguiram encobrir, da minha parte, quero te dizer que te amei sim, dentro do que consegui e me achei na luz que se manifestava através de você e que também existia em mim, ainda que disso eu não soubesse. Sou, imensamente, grata por tudo que aprendi com você nesse "lugar" de encontro de almas. Deus em mim, reconheceu Deus que há em você, mas, talvez, na pressa de vivenciar o sagrado de "nós somos um", acabei inventando, produzindo o resto de você. E o que era, apenas, para, plenamente, "ser" se tornou "ter". E o que era um forte desejo, se tornou necessidade. O ego se disfarçou de Deus e não percebi.
    Hoje, meu querido, quero te convidar a nos libertar do que não somos, de tudo que criamos em nossas vidas, ainda que movidos por uma causa que nos pareceu digna, justa e bela, pois, a melhor causa do mundo não tem legitimidade, se for instrumento para nossa necessidade egóica. Neste instante, contrariando, justamente toda a dor que "eu" sinto neste momento, indo no contra-fluxo das minhas lágrimas, desmancho os cenários, levanto as âncoras que serviram para aportar, por tanto tempo, ilusões. Anuncio a minha partida definitiva para ser uma pessoa melhor, mais franca, mais corajosa, mais nua, menos arrogante em meu suposto saber. Quero reeditar meu dicionário e me livrar dos conceitos que só aprisionaram meu olhar. Vejo um casulo atrás de mim e que era a cópia perfeita do que eu queria ser. E por isso, não posso mais me apresentar como eu era e nem, tampouco, posso me apresentar como aquela que, ainda, não sou. Por isso, me desculpe, se não me encontrar mais no mesmo lugar, se não reconhecer em mim, aquela que já lhe foi tão familiar. Posso não saber do futuro, mas, posso te garantir sobre o que eu não quero mais.
Quanto a você, eu te liberto para suas próprias escolhas e, por enquanto, é importante reconhecer que elas não são na minha direção. Por outro lado, torço para que elas não te levem para longe de você. Torço para que você se encontre de verdade e que isso te ajude a identificar, também, as suas próprias caricaturas. Eu me preocupo com você e hoje, mais do que nunca, me preocupa, especialmente, com o que você acredita ser "amor", "vida", "alegria" e "uma pessoa legal". Apenas, para seu questionamento e reflexão (eu já me encontro neste processo), sem queixas ou cobranças da minha parte, eu gostaria que soubesse que houve momentos que, ao discorrer sobre o amor, você nem chegou a perceber a minha dor. E em meio às suas aflições, ao pedir meu colo, não verificou se eu estava pronta para isso, pois houve ocasiões em que eu estava dilacerada. Quantas vezes, diante da sua vontade de me ensinar a voar pela vida, segurei o meu vôo e, hoje, vejo que o medo não era só por mim, mas, acho que no fundo, duvidava que soubesse o caminho de volta, e na vida, é importante, também, saber não se perder. Ainda, por muitas vezes, tenho a impressão que a sua "alegria" parece encobrir sentimentos opostos e que “ser uma pessoa legal" parece uma roupa que você “precisa” vestir. Não nego que ver tudo isso, chegou a doer muito em mim, fiquei muito triste, chegando a me sentir enganada, usada, injustiçada. Eu não quis ficar com estes sentimentos e, atualmente, essas dores estão sendo aproveitadas por mim, como instrumentos para eu me conhecer mais profundamente, perceber a minha responsabilidade por me permitir sentir assim. De qualquer maneira, ainda que eu seja grata a essas feridas pelo o que tem me proporcionado de crescimento, não posso deixar de pontuá-las como exercício de expressão da realidade para mim e para você. Não posso negar que deixar de ver a "pureza imaculada" que eu via em você (por eu ter dissipado, um pouco, o nevoeiro das ilusões), criou uma distância difícil de ser revertida entre nós. Por outro lado, gostaria que você pudesse assimilar tudo isso, sem defesas (ou justificativas). Tente, sinceramente, avaliar se não há algo digno de reflexão, para o seu bem... pois, realmente, ainda te quero bem. O preço das pseudo-verdades é muito alto e é preciso ter estrutura para bancá-las para não sermos destruídos por elas. Sem contar que podemos perder coisas preciosas irrecuperáveis em nossas vidas, quando deveríamos estar mais atentos ao seu real valor, aprender a cuidar delas, ao invés de até usá-las, distraidamente (ou inconscientemente), em favor de motivos frívolos. 
Meu  querido, preocupa-me a sua inconstância e volubilidade que, muitas vezes, se vestem de "liberdade" e "desapego" e que, acabam te levando a sofrimentos, porque a sua mente decide uma coisa e seus pés andam em direção oposta, com tempos descompassados. É importante que, com critérios lúcidos (regidos mais pela consciência do ser, do que pela mente ou pelas emoções), se possa mudar sempre que for necessário, mas, que você consiga bancar mais as suas decisões, especialmente, se elas envolvem outras pessoas ao seu redor, para que elas não se coloquem em situações difíceis com o seu movimento na vida. 
Se amar é desejar que o outro seja feliz, procurar preservar o outro de incômodos desnecessários, na medida do possível, também é um ato de amor e generosidade. 
Bom, da mesma forma que se recomenda para alguém que gostamos para se agasalhar, antes de ele sair de casa, no frio, estas são as minhas últimas recomendações para uma pessoa que significou muito na minha vida e que, sinceramente, desejo que seja feliz. Peço para que se cuide com atenção, discernimento, carinho e senso de realidade, já que eu não posso mais estar por perto para te lembrar disso e, muito menos, fazer isso por você. É chegada a hora de saber quem somos sem o outro, de conhecer este novo jeito de caminhar. Espero que fique claro que eu não gostaria que nos encontrássemos, movidos pela esperança de rever no outro aquele “antigo conhecido desconhecido”, assim, como espero que não me acesse para alimentar lembranças do que já passou e não faz mais sentido. Talvez, precisemos de tempo para nos esquecer de quem já não éramos e descobrir quem somos, mais, legitimamente. Eu gostaria de poder me entregar, integralmente, às possibilidades de minhas novas direções, experiências e descobertas de mim mesma. Quero trocar o peso ilusório da palavra “solidão” pela poesia real da “solitude” e perceber que ela é o pano de fundo que compõe a beleza do meu verdadeiro ser.
Então, meu querido, cuide-se bem, cuidado com seus excessos, eles podem prejudicar a sua saúde. De coração, desejo que o brilho real de sua alma (e que aparece no seu olhar e no seu sorriso lindo) possa iluminar, fortemente, a sua jornada daqui por diante. Fique bem!

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