Clarice Lispector entrevista Vinicius de Moraes

Eu não conhecia esta entrevista até a sexta-feira. Achei perfeita, envolvente e apaixonante. Nela, duas das figuras que eu mais amo!
Uma vez um amigo me disse que se eu tivesse conhecido Vinicius, com certeza teria dormido com ele, tamanha é minha paixão pela pessoa.
Eu não sei realmente, mas sei que sou apaixonada por ele desde o primeiro instante. 
Uma noite com ele teria sido pouco, uma história, talvez, suficiente, uma existência seria demais. Embora ache que ele já está comigo desde sempre, uma história de amor com Vinicius, não me parece nada mal.
Que perigo para o coração de uma mulher encontrar com um tipo desse pelo caminho... Que aventura, que emoção, com certeza, um aprendizado e algumas lágrimas;
Parece que ele nasceu e brilhou para mostrar que este tipo existe, e que ele não quer magoar ninguém, mas quer provar de todas, amar algumas e sofrer pelo amor de outras. Parece até um teimar de viver para provar que a vida é isso mesmo, a arte dos encontros e desencontros.



MULHER, POESIA, MÚSICA . Entrevista a Vinícius de Morais por Clarice Lispector

- Vinícius, acho que vamos conversar sobre mulheres, poesia e música. Sobre mulheres porque corre a fama de que você é um grande amante. Sobre poesia porque você é um dos nossos grandes poetas. Sobre música porque você é o nosso menestrel. Vinícius, você amou realmente alguém na vida? Telefonei para uma das mulheres com quem você casou, e ela disse que você ama tudo, a tudo você se dá inteiro: a crianças, a mulheres, a amizades. Então me veio a idéia de que você ama o amor, e nele inclui as mulheres.

- Que eu amo o amor é verdade. Mas por esse amor eu compreendo a soma de todos os amores, ou seja, o amor de homem para mulher, de mulher para homem, o amor de mulher por mulher, o amor de homem para homem e o amor de ser humano pela comunidade de seus semelhantes. Eu amo esse amor mas isso não quer dizer que eu não tenha amado as mulheres que tive. Tenho a impressão que, àquelas que amei realmente, me dei todo.

- Acredito, Vinícius. Acredito mesmo. Embora eu também acredite que quando um homem e uma mulher se encontram num amor verdadeiro, a união é sempre renovada, pouco importam as brigas e os desentendimentos: duas pessoas nunca são permanentemente iguais e isso pode criar no mesmo par novos amores.

- É claro, mas eu ainda acho que o amor que constrói para a eternidade é o amor paixão, o mais precário, o mais perigoso, certamente o mais doloroso. Esse amor é o único que tem a dimensão do infinito.

- Você já amou desse modo?

- Eu só tenho amado desse modo.

- Você acaba um caso porque encontra outra mulher ou porque se cansa da primeira?

- Na minha vida tem sido como se uma mulher me depositasse nos braços de outra. Isso talvez porque esse amor paixão pela sua própria intensidade não tem condições de sobreviver. Isso acho que está expresso com felicidade no dístico final do meu soneto "Fidelidade": "que não seja imortal posto que é chama / mas que seja infinito enquanto dure".

- Você sabe que é um ídolo para a juventude? Será que agora que apareceu o Chico, as mocinhas trocaram de ídolo, as mocinhas e os mocinhos?

- Acho que é diferente. A juventude procura em mim o pai amigo, que viveu e que tem uma experiência a transmitir. Chico não, é ídolo mesmo, trata-se de idolatria.

- Você suporta ser ídolo? Eu não suportaria.

- Às vezes fico mal-humorado. Mas uma dessas moças explicou: é que você, Vinícius, vive nas estantes dos nossos livros, nas canções que todo mundo canta, na televisão. Você vive conosco, em nossa casa.

- Qual é a artista de cinema que você amaria?

- Marilyn Monroe. Foi um dos seres mais lindos que já nasceram. Se só exisitisse ela, já justificaria a existência dos Estados Unidos. Eu casaria com ela e certamente não daria certo porque é difícil amar uma mulher tão célebre. Só sou ciumento fisicamente, é o ciúme de bicho, não tenho outro.

- Fale-me sobre sua música.

- Não falo de mim como músico, mas como poeta. Não separo a poesia que está nos livros da que está nas canções.

- Vinícius, você já se sentiu sozinho na vida? Já sentiu algum desamparo?

- Acho que sou um homem bastante sozinho. Ou pelo menos eu tenho um sentimento muito agudo da solidão.

- Isso explicaria o fato de você amar tanto, Vinícius.

- O fato de querer me comunicar tanto.

- Você sabe que admiro muito seus poemas, e, mais do que gostar, eu os amo. O que é a poesia para você?

- Não sei, eu nunca escrevo poemas abstratos, talvez seja o modo de tornar a realidade mágica aos meus próprios olhos. De envolvê-la com esse tecido que dá uma dimensão mais profunda e conseqüentemente mais bela.

- Reflita um pouco e me diga qual é a coisa mais importante do mundo, Vinícius?

- Para mim é a mulher, certamente.

- Você quer falar sobre sua música? Estou esperando.

- Dizem, na minha família, que eu cantei antes de falar. E havia uma cançãozinha que eu repetia e que tinha um leve tema de sons. Fui criado no mundo da música, minha mãe e minha avó tocavam piano, eu me lembro de como me machucavam aquelas valsas antigas.

- Meu pai também tocava violão, cresci ouvindo música. Depois a poesia fez o resto.

Fizemos uma pausa. Ele continuou:

- Tenho tanta ternura pela sua mão queimada...

(Emocionei-me e entendi que este homem envolve uma mulher de carinho.) Vinícius disse, tomando um gole de uísque:

- É curioso, a alegria não é um sentimento nem uma atmosfera de vida nada criadora. Eu só sei criar na dor e na tristeza, mesmo que as coisas que resultem sejam alegres. Não me considero uma pessoa negativa, quer dizer, eu não deprimo o ser humano. É por isso que acho que estou vivendo num momento de equilíbrio infecundo do qual estou tentando me libertar. O paradigma máxima para mim seria: a calma no seio da paixão. Mas realmente não sei se é um ideal humanamente atingível.

- Como é que você se deu dentro da vida diplomática, você que é o antiformal por excelência, você que é livre por excelência?

- Acontece que detesto tudo o que oprime o homem, inclusive a gravata. Ora, é notório que o diplomata é um homem que usa gravata. Dentro da diplomacia fiz bons amigos até hoje. Depois houve outro fato: as raízes e o sangue falaram mais alto. Acho muito difícil um homem que não volta ao seu quintal, para chegar ou pelo menos aproximar-se do conhecimento de si mesmo.

- Como pessoa, Vinícius, o que é que desejaria alcançar?

- Eu desejaria alcançar outra coisa. Isso de calma no seio da paixão. Mas desejaria alcançar uma tal capacidade de amar que me pudesse fazer útil aos meus semelhantes.

- Quero lhe pedir um favor: faça um poema agora mesmo. Tenho certeza de que não será banal. Se você quiser, Menestrel, fale o seu poema.

- Meu poema é em duas linhas: você escreve uma palavra em cima e outra embaixo porque é um verso.

É assim:

Clarice
Lispector

- Acho lindo o teu nome, Clarice.

- Você poderia me dizer quais as maiores emoções que já teve? Eu, por exemplo, tive tantas e tantas, boas e péssimas, que não ousaria falar delas.

- Minhas maiores emoções foram ligadas ao amor. O nascimento de filhos, as primeiras posses e os últimos adeuses. Mesmo tendo duas experiências de quase morte - desastre de avião e de carro - mesmo essa experiência de quase morte nem de longe se aproximou dessas emoções de que te falei.

- Você se sente feliz? Essa, Vinícius, é uma pergunta idiota, mas que eu gostaria que você respondesse.

- Se a felicidade existe, eu só sou feliz enquanto me queimo e quando a pessoa se queima não é feliz. A própria felicidade é dolorosa.

Meditamos um pouco, conversamos mais ainda., Vinícius saiu.

Então telefonei para cada uma das esposas de Vinícius.

- Como é que você se sente casada com Vinícius?

Ela respondeu com aquela voz que é um murmúrio de pássaro:

- Muito bem. Ele me dá muito. E mais importante do que isso, ele me ajuda a viver, a conhecer a vida, a gostar das pessoas.

Depois conversei com uma mocinha inteligente:

- A música de Vinícius, disse ela, fala muito de amor e a gente se identifica sempre com ela.

- Você teria um 'caso' com ele?

- Não, porque apesar de achar Vinícius amorável, eu amo um outro homem. E Vinícius me revela ainda mais que eu amo aquele homem. A música dele faz a gente gostar ainda mais do amor. E "de repente, não mais que de repente", ele se transforma em outro: e é o nosso poetinha como o chamamos.

Eis pois alguns segredos de uma figura humana grande e que vive a todo risco. Porque há grandeza em Vinícius de Moraes. 



*A entrevista está no livro lançado pela editora Rocco, que se chama “Clarice Lispector – Entrevistas”. Entre tantas prosas memoráveis tecidas pela autora (que escrevia uma seção intitulada “Diálogos Possíveis com Clarice Lispector”, para a revista “Manchete”), além dessa  há entrevistas com Millôr Fernandes, Nelson Rodrigues, Hélio Pelegrino, Ferreira Gullar, Fernando Sabino e também além do universo da literatura — com Elis Regina, Tom Jobim e até com o ex-técnico Zagallo. 


Eu tenho um amigo, tipo assim Vinicius de Moraes, e eu tenho certeza que ele, ao ler estas linhas, se sentirá acompanhado, e reconhecerá a si mesmo nas palavras do capitão do mato, do poeta, do branco mais preto do Brasil.

Tem gente que é assim, ama o amor, e é isso.

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