Dormindo com Nietzche

Assim como às vezes nos relacionamos de maneira neurótica com parceiros que nada nos acrescentam, nossa relação com nós mesmos também pode ser completamente falsa. Talvez até sejamos capazes de vislumbrar esse, mas não conseguimos sair do lugar.
"É preciso aprender a amar", nos aconselha Nietzche. Aprender a amar a si mesmo. E também aprender a amar o outro, o estranho em nós. Da mesma forma que gradualmente nos familiarizamos com um novo tipo de música, ainda desconhecido.

Eis que sucede conosco quando escutamos música: primeiro temos que aprender a ouvir uma melodia, a detectá-la, distinguila, isolando-a e demarcando-a como uma vida em si; então é necessário empenho e boa vontade para suportá-la, apesar de sua estranheza. Enfim chega o momento em que nos habituamos a ela, em que a esperamos; e ela continua a exercer sua coação e sua magia, incessantemente, até que nos tornamos seus humildes e extasiados amantes e nada mais queremos no mundo a não ser ouvi-la novamente. Mas isso não acontece apenas na música: foi exatamente assim que aprendemos a amar todas as coisas que agora amamos. Afinal sempre somos recompensados pela nossa boa vontade, nossa paciência, equidade, ternura para com o que é estranho, na medida em que a estranheza tira lentamente o véu e se apresenta  como uma nova e indizível beleza: é a sua gratidão por nossa hospitalidade. Também quem ama a si mesmo aprendeu-o por esse caminho: não há outro.
Também o amor há que ser aprendido.

Nós não admitimos com facilidade o fato de que cada um de nós "é único no mundo, que nenhum raro acaso misturará pela segunda vez uma diversidade tão estranhamente eclética num ser singular".
Nós temos medo de ser essa coisa única. Por que? Por medo do nosso vizinho, que exige que sigamos as regras e se encobre com elas. O que nos obriga a pensar em bando? "Os homens ainda são preguiçosos e medrozos e temem principalmente as exigências que lhes possam ser impostas pela sinceridade e clareza incondicionais."
O medo e a preguiça, para Nietzche, escondem a arte de amar. O receio de se expor faz com que as pessoas usem dissimulação para esconder sua própria singularidade. Esse medo de nós mesmos é um obstáculo. O homem deve ser sempre único e original.

Hoje eu estou indo dormir com Nietzche para respirar nesta brecha que se abriu de realidade.
Um pouco de filosofia numa segunda-feira ressaquenta, que demorou a passar.
Esse tema, o medo, bateu duas vezes na minha porta hoje, e, se bateu a segunda vez era porque precisava entrar.
Estamos agora a tomar um chá e encontramos Nietzche, ninguém poderia ter sido melhor que ele, para nos encantar com sua sabedoria singular.
Nietzche queria aprender a amar, e quem não quer? Ele sabia que o homem precisava aprender a amar para ser feliz.

Eis que eu me pego em devaneios... Eu gosto da palavra amante e penso que amante é aquele que ama e é amado, amante já é a solução.
E ainda divagando sem rumo me veio algo mais devaneio ainda. Um certo amigo me diria, pensamentos desconexos com nexos.
Um casal conversava sobre ir ao não para cama juntos naquela primeira noite.
Ele insiste, ela resiste.
Por fim:
Ela: Você daria a chave do seu carro para um estranho dar uma voltinha no quarteirão?
Ele: Lógico que não.
Ela: Eu também não.

Boa noite! Nietzche me espera.

**Trecho de Vitaminas filosóficas ( a arte de bem viver de Theo Roos)

3 comentários:

  1. Quer ver as coisas de um jeito diferente ? Comece a pensar, por exemplo, no porque é sempre o homem que quer dar uma voltinha ...

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  2. Natureza? Genética? Pode ser tantas coisas.
    Não é sempre o homem...
    Eu mesma já quis dar umas voltinhas por ai... E conheço uma porção de mulher que curte o passeio sem problema algum.
    Quem nunca quis que atire a primeira pedra.
    Eu entendo as diferenças, respeito e me aproveito delas também.
    Bj Flavito, adoro suas voltinhas por aqui!

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  3. Fui um de seus primeiros seguidores ... fico até o fim ... bj

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