Não há amor que resista a tanto perdão

Não estava caminhando, apesar de andar, sentia como se flutuasse, livre.
A sensação de liberdade é assim quando se revela, assemelha-se a um início de voo, primeiro flutua-se depois impulsiona-se e por fim voa.
Estava triste com a constatação, mas libertava-se da prisão que sua paixão a impunha. 
Por dois anos perseguia o desejo de ser única, sofrendo a cada descoberta que o dividia com a "novidade" do momento. A cada nova professora, a cada nova aluna, a cada nova vizinha, a qualquer mulher bonita que passasse, o temor pelos olhares interessados a entorpecia. 
Somente uma mulher que já fora traída e perdoara é quem a poderia compreender a insegurança, a desconfiança, o medo, a sensação de ameaça se aproximando.
Assim era sua vida a dois, seu marido seria perfeito se não fosse pela sua voracidade pelas mulheres. Todos os dias a despertava com beijos e carinhos, sem se importar com o desfecho da noite anterior, a cada dia um novo dia, ele dizia, e assim o fazia.
Eram parceiros nas afinidades, eram amigos que compartilhavam a vida e amantes perfeitos na cama, enfim um casal como poucos se viam.
Ele é professor de música na universidade, sua paixão pela música acabava por seduzir a todos e mais ainda as garotas.
A primeira vez que foi descoberto foi pelas artimanhas de uma aluna apaixonada, que pensou em destruir-lhe o casamento para ficarem juntos. O que a pobre não imaginou é que seu professor não tinha qualquer plano em divorciar-se, amava sua esposa, não imagina a vida sem ela, era para ele, como a música, essencial.
A esposa, ao deparar-se com aquela ninfeta na porta de sua casa dizendo o quanto amava seu marido e queriam estar juntos como marido e mulher, respirou fundo e sorrindo disse-lhe que era a terceira a bater em sua porta com a mesma história, então que fosse embora logo para desfrutar o que restara daquela diversão de seu marido porque não costumava durar mais do que uma semana.
Fechou a porta e chorou o fim de suas dúvidas e começo de uma nova vida, já não ignorava mais as aventuras do seu marido.
Ele lhe contou tudo, mas garantiu que não passavam de aventuras sem importância, não passavam de três encontros, nunca ficava com nenhuma mulher mais do que três vezes, pois não queria envolvimento com nenhuma outra mulher além dela.
Desde então sua vida se dividia entre o céu de uma vida a dois perfeita (quando ele estava com ela) e o inferno de saber que ele estava com outras quando não estava com ela. 
Ela desenvolveu mil e uma maneiras de saber quem era "a da vez" e isso a sangrava a cada descoberta. Sangrou tanto que morreu, seu amor foi morrendo pouco a pouco, lentamente dolorido, disfarçado, silencioso. Pouco a pouco perdeu a curiosidade em saber se ele estava dando aula ou passando seu tempo com a "novidade da semana". Pouco a pouco deixou de revistar sua roupa, sua carteira, seu celular, pouco a pouco não se interessava pelas afinidades dos dois, pouco a pouco buscou outros interesses individuais, pouco a pouco mudou de guarda roupa, pouco a pouco mudou de ambientes, pouco a pouco refez sua vida individualmente e pouco a pouco deixou de amá-lo e passou a amar-se.
Foi caminhando ao vento que sentiu sua liberdade apropriada, refeita, sólida.
Não há honestidade em uma relação onde somente um é feliz.
Não há amor que resista a tanto perdão.
Ninguém passa imune por tamanha indulgência.

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