Me parece que quando existe uma razão para amar, a ponderação convenceu de que amar aquele ser, naquele momento, era o mais certo.
Existe uma fortaleza em torno de um amor sem razão, apenas amar por amar e sem saber porque, amar simplesmente.
Então eu me utilizo de dois mestres para expressar o pensamento que me ronda hoje.
O Chico Buarque, em uma entrevista, citou Montaigne e me ajudou demais. "Eu gostava dele porque era ele, porque era eu.
Seguiu Drummond, a me presentear com sua poesia. E assim, eu posso com toda licença e honra me utilizar deles para esvaziar-me hoje.
Que pode uma criatura senão,
entre criaturas, amar? amar e esquecer? amar e malamar, amar, desamar, amar? sempre, e até de olhos vidrados, amar? Que pode, pergunto, o ser amoroso, sozinho, em rotação universal, senão rodar também, e amar? amar o que o mar traz à praia, o que ele sepulta, e o que, na brisa marinha, é sal, ou precisão de amor, ou simples ânsia? Amar solenemente as palmas do deserto. o que é entrega ou adoração expectante, e amar o inóspito, o cru, um vaso sem flor, um chão sem ferro, e o peito inerte, e a rua vista em sonho, e uma ave de rapina. Este o nosso destino: amor sem conta, distribuído pelas coisas pérfidas ou nulas, doação ilimitada a uma completa ingratidão, e na concha vazia do amor a procura medrosa, paciente, de mais e mais amor. Amar a nossa falta mesma de amor, e na secura nossa amar a água implícita, e o beijo tácito, e a sede infinita.
Para isso me serve a poesia. Em momentos de buscar palavras para esvaziar minha alma, e a minha mente não é capaz de produzir o som que possa dar este grito. Eu me encontro com meus poetas preferidos e eles me convidam para um passeio de mãos dadas. "Vem menina, vou te contar uma história."
O amor não se explica, eu sei que é clichê, mas também é verdade. E eu sei que podemos racionalizar muitas coisas (sou perita nisso) mas como explicar racionalmente aquela sensação de graça?
Aquela vontade rir quando ele ri?
O ímpeto do carinho, a vontade de estar junto, o coração acelerando, a barriga gelando, a onda de calor que sobe e desce, a paz e a desordem convivendo dentro da gente? Quimicamente eu sei que se explica, mas o que desencadeia?
Como explicar a sensação de dia perfeito depois de ouvir um "eu te amo"?
Só pode ser isso: Eu gosto dele porque é ele, porque sou eu.
As sem-razões do amor
Carlos Drummond de Andrade
Eu te amo porque te amo. Não precisa ser amante, e nem sempre sabe sê-lo.
Eu te amo porque te amo. Amor é estado de graça e com amor não se paga.
Amor é dado de graça, é semeado no vento, na cachoeira, no eclipse.
Amor foge a dicionários e a regulamentos vários.
Eu te amo porque não amo bastante ou demais a mim.
Porque amor não se troca, não se conjuga nem se ama.
Porque amor é amor a nada, feliz e forte em si mesmo.
Amor é primo da morte, e da morte vencedor,
Por mais que o matem (e matam) a cada instante de amor.
Nunca é tarde para se mudar de ideia desde que a motivação seja a honestidade.
Existe uma coragem incontestável em alguém que desiste de se casar as vésperas de seu casamento. Pode ser também que o medo insuportável seja maior que a sua coragem, mas ainda assim ela não deixa de existir.
Imagino o quanto esta pessoa sofreu antes de tomar a decisão de desistir. Desistir é considerado inaceitável pelo mundo.
Que seja por medo ou por coragem, o que prevalece no fim é a honestidade. Aquele ser enfrenta todo o julgamento e consequências em troca da unica coisa que sabe, não quer entrar nessa, mudou de ideia.
Não há heróis no meio dos homens, há os honestos e os enganados, e eu me refiro aqui somente ao agente, porque a gente se engana demais e o tempo todo.
Uma grande parte das pessoas que nos ferem, o fazem sem consciência, fazem por não se conhecerem, fazem por se enganarem.
Então, hoje o meu mantra é para que eu seja lúcida o suficiente para não ferir ninguém com a minha ignorância, mas, se isso acontecer, que eu tenha coragem suficiente para ser honesta. Amém!
Era domingo, estava frio e o sol era de inverno. Ninguém poderia saber.
Naquele quarto apertado ela ardia, há dias não saia da cama, ardia.
O telefone tocava e aquele som apenas a fazia mover os olhos, do teto para a escrivaninha, não era curiosidade, era desprezo.
Ela só ardia, não podia sentir mais nada.
As palavras não vinham, era só aquela ardência subindo pela garganta e descendo novamente, sem parar.
De repente um grito! E aquele som, aquela era a palavra que precisava, o som de um animal enjaulado se libertando.
Foi aquele grito que a libertou. Sentou na escrivaninha, as palavras estavam brotavam e assim foi correnteza até esvaziar-se.